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O que nós todos gostávamos era de poder dar uma escapadela. Estamos fartos, totalmente enjoados dos nossos trabalhos, mas vamos ficando. E ficamos porque nos falta a coragem, porque nos falta a imaginação para lhe seguir o exemplo. Não é por nenhum sentido de solidariedade que ficamos! Não! A solidariedade é um mito, pelo menos nos tempos que correm. A solidariedade é para os escravos que ficam à espera até que o mundo se transforme num enorme covil de lobos, para depois se atirarem todos juntos e desatarem a rasgar e despedaçar o que lhes aparecer pela frente, como animais invejosos. Rimbaud era um lobo solitário. E não se escapuliu pela porta das traseiras com o rabo entre as pernas. Não, nada disso. Assoou-se ao Parnaso, e aos juízes, aos padres, aos professores, aos críticos, aos condutores de escravos, aos ricaços e aos palhaços que constituem a nossa distinta sociedade cultural. E não se orgulhem de pertencer a uma época melhor que a dele! Não pensem nem por um momento que esses miseráveis, esses maníacos, essas hienas, esses falsários de todos os quadrantes acabaram! Este problema é tão vosso como foi dele! Mas dizia eu que Rimbaud não estava preocupado com o facto de não ser aceite... é que desprezava as satisfações mesquinhas que a maior parte de nós anseia. Percebeu que era tudo uma fedorenta porcaria, percebeu que tornar-se em mais um número histórico não o levava a lado nenhum. Queria viver, queria mais espaço, mais liberdade: queria exprimir-se, fosse como fosse. E portanto disse: "Vai-te foder! Vão-se foder todos!" E, dito isto, abriu a braguilha e pôs-se a mijar sobre as obras.
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Henry Miller in O Tempo dos Assassinos, tradução de Manuela R. Miranda (Hiena Editora, 1985)
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